SALMOS E LITERATURA SAPIENCIAL E SUA APLICAÇÃO PASTORAL


INTRODUÇÃO


Faremos dois momentos: o primeiro, veremos acerca dos salmos, e em seguida os livros sapienciais: Jó, Qohelet (ou Eclesiastes), livro de Jesus Sirac (ou Eclesiástico), Cântico dos Cânticos, Provérbios e Sabedoria.
A metodologia para cada livro será aprestá-lo em quatro etapas: a experiência cotidiana, de onde surgem as perguntas acerca dos temas abordados nos livros; o contexto da vida no livro, isto é, o autor no seu contexto e os principais conteúdo que ele elabora; uma possível estrutura do livro e por último, a sua aplicação pastoral.

O LIVRO DOS SALMOS

Experiência cotidiana

A oração, muito mais do que dirigir palavras a Deus, é um momento de conversar com Deus. A verdadeira oração é propiciada pelo nosso estado de espírito e do nosso contexto de vida.
Quando estamos alegres, louvamos a Deus pela obra de sua criação e agradecemos por tudo o que ele nos proporciona. Quando estamos tristes, pedimos a Deus que nos conforte ou nos questionamos: “onde está Deus? Por que ele se esconde?” Quando nos deparamos com o mal que existe em nós, ou na sociedade, pedimos perdão pelos nossos erros, ou pelos erros de nossa sociedade. Quando nos damos conta de que o tempo, os fatos e a história carrega em si uma carga de sabedoria, aprendemos e nos tornamos sábios com isso, pois nos damos conta que é Deus quem nos fala nos acontecimentos, e pela boca de outras pessoas que julgamos sábias.
O livro dos salmos nasce assim.

Contexto de vida no livro

O livro dos salmos é um livro da Bíblia, com 150 capítulos. É um livro que reúne poemas datados de muitas épocas, utilizados pelos israelitas como forma de oração segunda as circunstâncias de cada época, assim como nós fazemos hoje, quando desejamos nos dirigir a Deus. É datado em pré-exílico, exílico e pós-exílico. A maioria é exílico e pós-exílico, e grande parte tem a data incerta.
Cada circunstância fazia os judeus rezarem de uma forma diferente.
A atribuição do Salmo também é muito incerta. Muitos deles são atribuídos a Davi. Porém, não é possível que Davi tenha escrito todos os salmos que lhe são atribuídos, pois muitos surgiram no período exílico e pós-exílico.
Os salmos surgem das circunstâncias existenciais.
Quando estavam em situação de paz, de tranqüilidade, olham para trás e reconheciam a bondade e a beleza da ação de Deus na criação e na história. Este salmo era chamado de hino. (Sl 18.19.29.33.110.103.104.105.111.114.135.145.146.147.148.149.
150). Neste espírito de alegria, Iavé é apresentado como Rei e o mundo como seu reinado (Sl 47.93.96.97.98). O Monte Sião é o lugar escolhido e santificado por Iavé (Sl 46.48.76.84.87.122) e o Templo tornado sua morada, lugar para onde todo o israelita deveria peregrinar (Sl 15.24). Sua estrutura dividia-se em 4 partes: 1) convite ao louvor; 2) Motivo do louvor; 3) A obra de Deus e 4) Louvor, glória e petição, que varia bastante[1].
Quando uma pessoa ou um grupo estava muito feliz, e queria agradecer este momento atual, concreto, como fruto da graça de Deus agindo em sua vida, rezava um salmo de ação de graças (Sl 9/10.18.30.32.40.41.92.107.116.138). Tem a seguinte estrutura: 1) anúncio de gratidão e justificativa; 2) narrativa de salvação; 3) louvor e testemunho; 4) Narrativa de salvação e 4) voto de louvor[2].
Quando os judeus estavam passando por dificuldade, principalmente quando eram atacados por povos vizinhos, o tema de sua oração era o pedido para que Deus interviesse em favor do povo, do povo que ele tinha escolhido outrora e prometido nunca abandonar. Este tipo de salmo era o de lamentação e súplica. Poderia ser individual ou coletiva. No primeiro, esperava-se o auxílio de Deus, para que depois se cantasse uma ação de graças (Sl 124.60.74.79.80.83.85.94.137). No segundo, o salmista lamenta uma doença, uma desgraça, uma acusação falsa, uma traição de um amigo. Estas situações são vistas como fruto da ira divina, por isso estes salmos eram quase sempre seguido de acusação dos pecados. (Sl 3.5.6.7.13.17.22.25.26.27.28.35.38.39.41.42.51.54. 55.56.57.
59.61.63.64.69.71.86.88.102.109.130.140.141.143). A lamentação individual se estrutura em 1) grito introdutório de pedido; 2) Lamentação; 3) Pedido; 4) profissão, testemunho de confiança e 5) voto de louvor[3].
Não é possível viver somente olhando para as coisas ruins. Nos momentos de dor e angústia, desejamos e buscamos uma saída, acreditamos que é possível uma mudança. Sem isso, nossa vida se tornaria sem sentido. Acreditando que mesmo em meio a dor, Iavé age, os judeus rezavam, junto com as lamentações, salmos de confiança no poder de Iavé para libertar e salvar. Divide-se em individual (Sl 125.129) e coletivo (Sl 11.16.23).
Outro tipo de salmo é o salmo real. Eram cantados quando o povo se reunia com seu rei e o aclamava como enviado por Deus para dirigir o povo. (Sl 2.20.21.45.72.89,20-35;110.132.144).
A educação dos mais jovens também era feita em poesia hebraica, e utilizada nas orações do povo. Era fruto de uma relação com a natureza, com a comunidade e com Deus. São chamados de salmos sapiênciais (sapiens significa sabedoria). São os seguintes: Sl 1.37.49.73.91.112.119.128.133).

Estrutura do Livro[4]

ARQUITETURA DO LIVRO DOS SALMOS

1 - 2
Proêmio: Torá + Messias/Sião/senhorio de Deus.
3 – 41
41,14
1º livro:   Salmos de Davi                                 3–14.15–24.25–34-41
Bendito seja Iavé, o Deus de Israel desde sempre e para sempre! Amém e Amém!
42 – 72


72,18s
2º livro:   Salmos de Qôrah                                 42 – 49
Salmos de Asaf                                    50
Salmos de David                                  51 – 72
Bendito seja Iavé, o Deus de Israel, o único que opera milagres!
Bendito seja para sempre seu nome glorioso! Que toda a terra seja repleta da sua glória! Amém e Amém.
73 – 89


89,53
3º livro:   Salmos de Asaf                                    73 – 83
Salmos de Qôrah                                 84 – 89 (86: Salmo
de David)
Bendito seja Javé para sempre! Amém e Amém!
90 – 106



106,48
4º livro:   Composição de Moisés                       90 – 92
Reinado de Javé                                  93–100 (sem títulos)
Composição de David                        101 – 106

Bendito seja Iavé, o Deus de Israel, desde sempre e para sempre. E todo o povo dirá: Amém (+ LXX: Amém). Aleluia!
107 – 145









145,21

5º livro:   A  Salmos de louvor (Torá)               107 (reinado de Javé)
B  Salmos de David                           108 – 110
Salmos alfabéticos da Torá          111 – 112
Hallel de Páscoa                           113 – 118
Salmo alfabético da Torá              119
Salmo de romagem                       120 – 137
(Sião + David)
B   Salmos de David                          138 – 145
A   Salmos de louvor                         145 (reinado de Javé)

Minha boca dirá o louvor de Iavé, e toda carne bendirá seu santo nome, para todo o sempre!
146 – 150
Hallel final (10 vezes Aleluia) como hermenêutica do Saltério: Os salmos do Israel pobre, acossado e redimido (filhos da mãe Sião) – Instrumento para a implantação do Senhorio universal do Deus Iavé.


Aplicação Pastoral

Nas nossas comunidades também rezamos assim.
Quando fazemos a “recordação da vida” em uma oração comunitária, ou colocando as nossas intenções para uma oração, uma celebração da Palavra, uma missa, estamos rezando a nossa vida. Quando, na oração pessoal, as pessoas falam com Deus, também colocam conteúdos de sua vida. São os nossos salmos de hoje.




LITERATURA SAPIENCIAL

O evangelizador muitas vezes tem a tendência de pensar que deve levar uma palavra, um ensinamento, a fim de converter o povo para um caminho reto. Pensando assim, ele não se dá conta de que o povo também traz dentro de si uma sabedoria, fruto de uma experiência de vida, e que o Espírito Santo sempre chega antes do que o evangelizador.
Os livros sapienciais nascem da coletânea de sabedoria do povo. É uma sabedoria que emerge de uma reflexão, fruto de uma prática diante do mundo[5]. É um saber que distingue o que é certo e traz o bem e a ordem, e o que errado e traz o mal e a desordem[6]. Este bem e esta ordem são fruto, não da ação de divina, mas da ação humana que age baseado no “temor de Deus”, que é o início da sabedoria.[7]
Na história do povo de Israel, segundo o pesquisador alemão Erich Zenger, a sabedoria divide-se em três etapas.
Primeiramente ela é sabedoria de agricultores que pensam atitudes que melhor contribuem para a convivência; que se ocupavam em observação os ciclos da natureza. É uma sabedoria que prima pela solidariedade do clã e por uma sociedade sem classes[8].
Depois, a sabedoria que antes era existencial, se torna uma sabedoria ensinada nas escolas. É uma sabedoria das cidades. É uma sabedoria ligada aos ofícios e ao comportamento dos habitantes da cidade. Tem como conteúdo: como se comportar na corte, crítica ao excesso de vinho e à preguiça. Tem a intenção de educar para a ordem a hierarquia, tão importante no ambiente urbano.[9]
Mais tarde, principalmente no pós-exílico, quando não há mais profetas e rei, a sabedoria é relacionada como fazendo parte da própria criação e à história. Influenciados por povos vizinhos, a sabedoria torna-se uma “dama”, uma “mulher”. Ela é capaz de falar e ensinar aos homens quais são os propósitos de Deus. Outros, porém, consideram o Livro Sagrado da Lei (os judeus chamam de Torá) como fonte da sabedoria.
Zenger também distingue três formas literárias da sabedoria: O provérbio, que é uma experiência existencial que fora resumida e expressa em pequenas frases, a fim de ser melhor guardada em suas causas e conseqüências[10]: ditado popular (que apresenta a experiência vivencial do grupo em comparação, exagerando suas causas e consequências[11]); o discurso didático (que ensina algo se baseando em fatos já acontecidos ou fenômenos da natureza)[12]; o poema didático (é uma reflexão do mestre sobre questões fundamentais da vida: o sentido da vida diante do sofrimento e da morte, a ordem da criação, o sentido da história e a sabedoria contida na Torá)[13]; temos ainda a narrativa didática (de uma história particular, tira conclusões sobre muitas questões que tocam toda a humanidade)[14].
Conhecemos como livros sapiênciais os seguintes: Jó, Qohelet (ou Eclesiastes), livro de Jesus Sirac (ou Eclesiástico), Cântico dos Cânticos, Provérbios e Sabedoria
Zenger inclui o livro dos salmos juntamente com os livros sapienciais no conjunto do que ele chama de “os livros da sabedoria”.

O LIVRO DE JÓ

Experiência cotidiana

O sofrimento é uma realidade muito presente em toda a história da humanidade, também nos dias de hoje, na nossa atividade pastoral. São muitas as suas causas. Diante do sofrimento, diante da dor, as pessoas fazem muitas perguntas e uma delas é: “por que Deus permite o sofrimento? O que falta ao ser humano para ser feliz?”. Estes temas são tratados no livro de Jó.
Jó é um personagem conhecido popularmente pela sua paciência (1,20-22). Vemos, porém, que Jó é um sujeito que questiona e se rebela contra Deus (7,17-21; 13,18-27; 23,1-7). Esta forma de encarar o mal, não somente com passividade, mas também engajado emocionalmente, muitas vezes com revolta, é mais de acordo com a reação de um ser humano concreto, de carne e osso do que com um ser humano idealizado. Na nossa atividade pastoral, encontramos essas duas reações, comum a qualquer ser humano.

Contexto de vida no livro

O tema tratado no livro de Jó, o sentido do sofrimento, acompanha a humanidade desde épocas pré-literárias. O tema, antes de ser tratado por um israelita, já fazia parte das reflexões no Antigo Oriente, onde há documentos escritos sobre este tema já no 3º milênio a.C.[15] Contudo, a data mais possível para situarmos o livro de Jó, ou sua maior parte, é na época pós-exílica, pois é uma crítica à tendência de formar uma raça pura de judeus, já que Jó não é um israelita, bem como a presença de uma criatura que representa o princípio do mal que luta contra Deus, o princípio do bem, herança da cultura persa. Outra crítica é a relação de bem/mal ou teologia da retribuição presente literatura sapiencial judaica mais antiga.[16]
As pesquisas dizem que no início tínhamos o prólogo e o epílogo e que as seções de diálogos são posteriores, e os discursos de Elihu são acrescentados por último no livro.[17]
Jó é uma pessoa com uma boa renda, superior a muitos de sua época (1,1-3; 42,1-15), de grande influência política (29,1-20; 31,16-34).
Sua decadência começa com a morte de seus filhos (1,18s). Depois disso, até sua mulher e seus outros filhos sentem repugnância dele (19,17s). Lhe acontece outras série de desgraças (1,13-19; 30.7-15). Diante de uma realidade onde tudo parece dar errado, e sua queda social é enorme, Jó faz muitos questionamentos a si e a Deus. Chega-lhe três amigos que lhe oferecem as suas respostas sobre o sofrimento:
É claro que na literatura sapiencial, os personagens são personificação de um coletivo. Não é um Jó, mas a situação de muitos Jós. Daí que o livro não é uma coleção inteira. É a montagem de muitas partes.

Estrutura do livro

Segundo o livro Introdução ao Antigo Testamento, organizado por Erich Zenger e sua equipe, o livro de Jó está dividido assim:

I                           Prólogo                               1-2
II                         Seção dos diálogos                3-42,6
III                        Epílogo                                42,7-17[18]

No prólogo, o autor relata as duas provações de Jó no sofrimento e a visita de seus amigos.
Na seção de diálogos, divide-se em um monólogo de Jó (3), a primeira (4-14), a segunda (15-21) e a terceira rodada de discursos dos amigos (22-28) com a resposta de Jó; o desafio de Jó a Deus (29-31), os discursos de Elihu (32-37) e o diálogo de Iavé e Jó (38-42,6).
No epilogo, temos o julgamento de dos amigos de Jó por parte de Iavé (42,7-9) e o restabelecimento dos bens e da felicidade de Jó (42,10-17).

Aplicação Pastoral

Quem tem muitos bens, geralmente é o líder de uma cidade e, se religioso, influente dentro uma comunidade cristã, assim como Jó.
Outra semelhança é o abandono. Jó foi censurado pela sua mulher que, ao invés de acolhê-lo, o critica. Quanto estamos em dificulade: doença, crise financeira, etc., muitas pessoas que acreditávamos ser nossas amigas, acabam se afastando de nós. Isso é característico em nossa sociedade atual, onde tudo é descartável. Outro exemplo é o abando dos filhos. Muitas vezes os pais dão a vida pelos seus filhos e acabam em um asilo, ou abandonados em suas casas.
Outra situação que nos remete o livro de Jó é a presença de conselheiros que divergem acerca do sofrimento de Jó. Quando se trata de sofrimento, ninguém tem a última palavra. Pelo contrário, sempre tem um ou outro que quer dar um palpite, e se é doença, aí o número de remédios caseiros ou farmacêuticos receitados são imensos. Até parece que resolvemos muito mais facilmente os problemas que são dos outros, pois os nosso, nem sabemos muitas vezes por onde começar.


O LIVRO DE QOHELET OU ECLESIASTES

Experiência cotidiana

Outro tema que atravesse toda a história da humanidade é acerca da felicidade.
Este tema talvez seja o mais atual. Vemos que em épocas passadas os temas em pauta se relacionavam à busca da verdade (racionalismo moderno), à salvação das “almas” (projeto da nova cristandade), ao modelo de sociedade mais justa e fraterna (marxismo ou teologia da libertação). Hoje, a pergunta é: o que me faz feliz (individualismo pós-moderno)? Esta resposta muitas vezes é encontrada no ter, poder e prazer.
O contexto atual, chamado de pós-moderno, hipermoderno, ultramoderno ou outro sinônimo[19], é um tempo em que o problema da escassez foi substituído pelo excesso de produção. O problema não é produção, mas o consumo[20]. Este contexto favorece muito àqueles que tem condições para tal[21] a ter a concepção de que a felicidade está em consumir coisas, em desfrutar das benesses de uma economia de produção opulenta.
Encontramos esta mesma questão no livro de Qohelet, ou também conhecido como livro do Eclesiastes.

Contexto de vida no livro

Qohelet é uma expressão hebraica que quer dizer aquela (pois é feminino e não masculino) que fala na assembléia, que lidera uma comunidade, pois vem da raiz qahal que significa “reunir”.
Certamente não é o redator do livro. É alguém que escreve as palavras de Qohelet.
Se chamou posteriormente de Eclesiastes, pois qahal se traduz, no grego, por ekklessía (Igreja). Eclesiastes é aquela que fala (ou coordena) na Igreja.
Segundo os estudiosos, o livro deve ter sido escrito por volta de 250 e 190 a.C.[22]  Nesta época, os israelitas estavam sob o domínio helenista, que habitaram a região após a derrota dos Persas por Alexandre, em 333. Era um tempo de grandes latifúndios, já que os helenistas haviam dividido a terra entre si. Além disso, os trabalhadores eram obrigados a prestar serviços recebendo salários muito baixos e tendo de pagar altos impostos. Nesse contexto de vida, o autor se pergunta pela existência e principalmente pela origem da felicidade e conclui que felicidade é comer, beber, vestir-se e amar (9,7-10). Por outro lado, o trabalho gera sofrimento, porque os judeus tinham de trabalhar para sustentar os invasores (os ptolomeus). Este últimos, não eram felizes pois se preocupavam sempre em ter mais e mais.
Tudo essa reflexão ele faz ao observar como a natureza trabalha e como as pessoas agem (1,4-11).
Nestas observações, ele vai percebendo o que as pessoas consideram trazer felicidade (2,1-11). Reflete também acerca das atividades que os seres humanos exercem a fim de obter seu sustento. Reflete também sobre a sabedoria, a tolice e a insensatez (2,12-22). Chega a conclusão que a felicidade consiste em comer, beber e desfrutar de seu trabalho (2,24-26).
O redator também observa que os governantes e os juízes, que deveriam cuidar do povo, os oprimem (3,16-4,16). Junto à isso, percebe que uns querem ser mais do que os outros (4,4), a falta de união (4,8-12).
Ele constata que muitas pessoas constroem um Deus a seu gosto, e lhe oferecem sacrifícios sem ao menos ouvir qual mesmo é a proposta de vida que tem este Deus (4,17-5,6). Para Lohfink, este é o centro do livro[23].
Três conclusões chega o autor: que a sabedoria é critério para discernir a realidade (7,1-10), que a morte é para todos (9,3) e que a vida feliz consiste em comer, beber, vestir-se (também morar) e amar (9,7-10). Fora disso, tudo é “vaidade das vaidades” (que significa fumaça, vento, nada).

Estrutura do livro

Os estudiosos têm algumas teorias sobre a estrutura desta obra.
Alguns autores dizem que não há uma estrutura, pois o livro é uma coleção de frases isoladas (K. Galling, F. Ellermeier, O. Loretz)[24].
Outros dizem que há um planejamento na maior parte do livro. Um deles, Lohfink, diz que o livro forma como que um sanduíche, em que o centro é a crítica da religião, como citamos acima. Daí que a estrutura seria assim[25]:

1,2      moldura
    1,4-11    cosmologia (poema)
          1,12-3,15        antropologia
               3,16-4,16     crítica de sociedade I
                       4,17-5,6       crítica da religião (poema)
               5,7-6,10       crítica da sociedade II
          6,11-9,6          crítica da ideologia
     9,7-12,7   ética (no final: poema)
12,8    moldura

Outra teoria é de que os textos são construídos a partir de opiniões contrárias (teoria das citações de F.J. Backhaus e L. Schwienhorst-Schönberger[26]).

1,1    Título
1,2   versículo de moldura e do lema (“brisa de nada”)
1,3-3,22         1ª parte (escrito básico programático): desdobramento e resposta da pergunta pelo conteúdo e pelas condições da felicidade humana.

4,1-6,9:          2ª parte: confronto com uma compreensão pré-filosófica da felicidade: depreciação de valores tradicionais em vista da definição do bem supremo.

6,10-8,17:         3ª parte: confronto com definições alternativas de felicidade.

9,1-12,7:           4ª parte: convocação para a alegria e para a ação engajada.

12,8   versículo de moldura e do lema (“brisa de nada”)
12,9-14   dois epílogos


Aplicação Pastoral

No trabalho pastoral nos deparamos muito com trabalhadores, empregadores, muito preocupados em aproveitar o máximo do tempo para fazer uma hora extra (o trabalhador) ou para produzir mais (o empregador), tempo este que os faz não poderem participar de nossas reuniões de pastoral e até mesmo das celebrações.
Há um consenso de que a máxima do capitalismo é verdadeira (time is Money – tempo é dinheiro). O livro do Eclesiastes tem uma resposta para esse anseio: o trabalho não tem valor em si, mas na felicidade que pode proporcionar ao ser humano (de ocupar-se e de desfrutar de seu trabalho), mas para isso o trabalho precisa ser interrompido para que o trabalhador e mesmo o empregador possa desfrutar de outras situações que são fontes de felicidade (comer, beber, vestir-se, perfumar-se e amar).


LIVRO DE JESUS SIRAC OU DO ECLESIÁSTICO

Experiência cotidiana

Vivemos um tempo de globalização. Tudo que antes era local, se torna planetário. Se por um lado, os tempos atuais contribuíram para que uma cultura que era regional, fosse conhecida em todo o planeta pelos meios de comunicação e pela mobilidade humana, por outro lado, uma cultura se torna hegemônica: a cultura norte-americana ou dos Estados Unidos. Pelos filmes, pela alimentação e pela música, esta forma de ver o mundo (weltanschauung) e de agir nele se tornaram planetário, muitas vezes substituindo outras visões de mundo, ocorrendo principalmente entre as gerações mais novas.
Diante deste contexto, há uma perda de identidade. O que em uma cultura era valor (contemplação da natureza, a colaboração, etc.) passa a ser substituída por outros valores (atividade constante, a competição que está de acordo com a moral proposta pelo capitalismo neoliberal).
Outro fato, é a desvalorização da cultura popular: culinária típica, danças, as vestes. Preservar a cultura não significa um demasiado apego ao tradicionalismo, mas uma valorização das raízes.
Junto com esta desvalorização da cultura local, há o seguimento de uma cultura padrão que dita o que vestir, o que comer, o que ouvir, o que assistir, como dançar: o estilo americano de viver.
Diante desse quadro, nos perguntamos se este modo de viver e de pensar é, de fato, o melhor modo? Será que a nossa cultura local dos nossos antepassados, que nasceu do contato com o cotidiano da existência, não tem muitos ensinamentos a nos transmitir?

Contexto de vida no livro

O livro do Eclesiástico surge no contexto de dominação grega selêucida, no séc. IV a.C., em Jerusalém, quando há uma forte dominação econômica e cultural.
Dominação econômica porque muitos agricultores tinham perdido suas terras, enquanto que outros acumulavam mais e mais.
Dominação cultural porque os gregos favoreciam os judeus que adotassem os seus costumes, a sua religião, a sua cultura, e isso era um incentivo para que o judeus esquecessem suas raízes, perdessem sua identidade cultural (Si 11,1-34).
O Eclesiástico (ou Sirácida) é um livro que é escrito para que o povo judeu não despreze o seu saber, a sua cultura, por isso insiste no valor que tem os laços familiares, as relações de amizade, a fé no único Deus libertador e que a verdadeira sabedoria está nas leis deste Deus, e esta sabedoria é apresentada como uma pessoa. É a contraproposta à filosofia (sabedoria) e a religião grega, pois preserva valores israelitas, e não gregos.
No livro é tradado sobre muitos temas:
Crítica à injustiça e a opressão (3,10-4,10; 7,32-36; 18,15-18; 29,1-28).
O temor de Deus como princípio da sabedoria (1,11-2,18), que se vive em todas as circunstâncias da vida (3,7;6,14-17;7,29s;10,19-24;25,10;26,3;34,9-12); que está acima da Lei (32,14-33,6) e se concretiza na oração (17,1-14;43,27-33).
Outro tema é a sabedoria: educadora (4,11-19; 6,18-37) e é felicidade para o sábio (14,20-15,10). A sabedoria fala (24,1-22). É como a Torá (24,23-34). Sabedoria que tem o escriba (38,24-39,11). Ela se aproxima de quem a pede (45,25s).
O livro originalmente chamava-se “livro de Jesus, filho de Sirac, de Eleazar, de Jerusalém” (50,27; 51,30). Escrito originalmente em hebraico pelo avô, o  neto, Jesus Sirac, no ano 132 a.C., o traduziu para o grego, no tempo de Ptolomeu VII Evergetes Fiscon (170-117 a.C.), já que poucos sabiam o hebraico, conforme o prólogo do livro. No séc I, a versão grega recebeu acréscimos e revisões. A versão hebraica foi citada até o séc IV d.C.
Chamou-se Eclesiastes porque a Igreja primitiva utilizava este livro para a catequese dos primeiros cristãos[27].

Estrutura do livro

Os autores dizem que não há uma estrutura no livro. São, de fato, um composto de textos referentes a diversos temas, recolhidos e juntados sem nenhuma intenção maior.
Marböck, porém, tenta reunir em 3 blocos , colocando o cap 24 no centro (auto-elogio da sabedoria) e fazendo o que ele chama de “subdivisão grosseira”.

Esquema de Marböck[28]:

Prólogo da
tradução grega

Bloco I
1,1-23,27(28)
Bloco II
24,1-42,14
Bloco III
42,15-51,30
1,1-10: abertura programática: origem e alvo do caminho da sabedoria.




1,11-2,18: benção do temor a Deus como caminho para a sabedoria.
24,1-22: retomada: louvor da sabedoria (1ª pessoa sg.)
Sobre o seu caminho
(Deus-Criação-Israel)

24,23-29: sabedoria como Torá: sua benção
24,30-34: nota autobiográfica.


42,15-43,33: louvor da glória de Deus na Criação (42,15: convite, 1ª pessoa)
44,1-50,52: louvor (44,1: 1ª pessoa sg.) da gloria de Deus na história de Israel.


5,27: 1ª assinatura.
Elementos estruturadores
perícopes sobre esforço e recompensa na busca de sabedoria: 4,11-19
Elementos estruturadores
busca de Deus – temor a Deus – Torá
32,14-33,18;
33,16-18:
nota autobiográfica.

38,24-39,11: o escriba sábio.
Elementos estruturadores
louvor e súplica

42,25s


50,22-24
Final
22,27-23,6: oração por disciplina do falar e dos sentidos.
23,27: benção do temor a Deus.
Final
41,14-42,8: vergonha falsa a genuína.
Final
51:       51,1-12: cântico de  gratidão.
51,13-29; acróstico (1ª pessoa sg.) sobre a busca da verdade.

51,3: 2ª assinatura.


Aplicação Pastoral

O educador Paulo Freire muitas vezes insistiu que “ninguém sabe mais ou sabe menos, as pessoas tem saberes diferentes”. Ter uma, duas ou mais faculdades não significa que sabemos mais do que o povo. Temos saberes diferentes.
Muitas vezes na nossa pastoral, utilizamos uma linguagem, conteúdos e até a metodologia lógica progressiva, que o povo não entende. E daí que nos frustramos, por não ter conseguido evangelizar. Aí, temos de pensar duas questões: será que o povo tem a mesma lógica de raciocínio do que aquela que aprendemos na faculdade? E será que o povo não sabe nada mesmo sobre a vivência cristã e teria de aprender tudo conosco, seus evangelizadores?
Quanto à primeira questão, precisamos observar mais e ver que o povo não usa o método acadêmico da dissertação: defender um tema com uma introdução, um desenvolvimento e uma conclusão, articulado de uma forma lógica e coerente. O povo pensa narrativamente, simbolicamente, com comparações e muitas vezes com o silêncio que se depara com o mistério da vida e da criação.
A outra questão é que o evangelho já é vivido por muitas pessoas, antes mesmo de que nós o oferecemos como proposta de vida, pois o Espírito sempre chega antes do evangelizor. Isto não nos tira a responsabilidade de propor uma vida pautada no amor, na justiça que constrói aqui o Reino de Deus e tem sua plenitude na vida eterna, pois o mandato de pregar o Reino de Deus é para todos, não somente com palavras, mas principalmente com a vida.


CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Experiência cotidiana

Apesar de muitos avanços na compreensão da sociedade em relação à mulher, dando-lhe o direito ao voto, a sua ascensão em cargos de liderança ou profissões que antes eram somente de homens (engenharia civil, mecânica, motorista, etc.), e com o fato de que a presidência de países importantes como Brasil e Argentina estarem nas mãos de mulheres, estas ainda sofrem preconceitos.
A sua situação se agrava se ela, além de ser mulher, for de cor negra. Os negros, em geral, tem sempre uma história de preconceito e de humilhação, haja vista que nossa sociedade brasileira é racista, mesmo que não admita publicamente, mas o demonstra nos noticiários (onde sempre aparece o negro ligado à violência) ou nas novelas (o negro como empregado).
O livro Cântico dos Cânticos tem como pano de fundo um grito de auto-estima e de crítica social da mulher negra pela sua dignidade. A frase que melhor traduz este livro é : “sou negra e formosa”.

Contexto de vida no livro

Os últimos estudos datam o Cântico dos Cânticos no século III a.C. Zenger cita três argumentos: primeiro é que há um termo hebraico que só aparece neste livro, em todo o AT: ’appiryon, que é semelhante ao termo grego foreion, que designa “liteira” (Ct 3,9). O segundo argumento é que os gregos costumavam coroar as pessoas com ramos de oliveira, representado a importância daquela pessoa e que ela seria lembrada pela eternidade (a oliveira representa a eternidade). Em Ct 3,11 Salomão é coroado pela sua mãe no dia de seu casamento. O terceiro argumento é que muitas passagens valorizam o corpo, o nu humano, expressão do antropocentrismo da cultura grega, que retorna no Ocidente com o Renascimento Cultural do séc. XIV, realizando na arte o que o filósofo sofista Protágoras (485-410 a.C.) dizia no campo da ética: “o homem é a medida de todas as coisas”.
No conteúdo do livro temos 3 situações em relação a mulher:
1-      A mulher negra, que fala de si mesma, de sua beleza e de sua dignidade (1,5-6)
2-      A mulher vista pela sociedade patriarcal da época. Nesta parte, são os irmãos que falam dela, combinando o dinheiro que receberiam ao casar a irmã (8,8-14).
3-      A possibilidade desta mulher ser levada para o harém do rei, onde teria muitos privilégios, mas recusa, a fim de desfrutar com liberdade de sua sexualidade, e para não colocar o amado em risco de morte.
Uma hipótese viável é que o Cântico tenha sido escrito por uma mulher, pois, a maior parte do livro tem como sujeito o personagem feminino, que também inicia e termina os discursos no livro.


Estrutura do livro

Ludger Schwienhorst-Schönberger cita 4 tipos de interpretação acerca da estrutura do livro do Cântico dos Cânticos[29].
A primeira interpretação é que a estrutura considera a amada como Israel e o amado como Iavé. Daí que os cristãos vão interpretar a amada como a Igreja e o amado como o Cristo. É dividido em 5 poemas:

Prólogo (1,2-4)           Israel no exílio e sua esperança de retornar à terra.
1º poema (1,5-2,7)      saudade de Israel por libertação completa.
2º poema (2,8-3,5)      anúncio da libertação próxima
3º poema (3,6-5,1)      o novo Êxodo
4º poema (5,2-6,3)      reconstrução
5º poema (6,4-8,5a)    culminância do livro: plena unificação recíproca dos amantes.
Conclusão (8,5b-7)     culminância do livro: plena unificação recíproca dos amantes.
Dois apêndices (8,8-14)         Javé desperta Israel, sua noiva, que toma posse da terra.[30]

A segunda interpretação compreende a estrutura como um drama em seis atos, defendido pó F. Delitzch[31].

1,2-2,7: o incendiar-se mútuo dos amantes.
2,8-3,5: a procura mútua e o encontro dos amantes.
3,6-5,1: a busca da noiva e as bodas.
5,2-6,9: o amor desprezado mas reconquistado.
6,10-8,4: Sulamita, a soberana encantadoramente bela, mas humilde.
8,5-14: a consolidação do vínculo de amor na terra da Sulamita.

A terceira interpretação é ver o amado como deuses estrangeiros, defendida por H. Schmökel.
A quarta interpretação e a mais atual é que o livro é “uma coletânea de cânticos de amor.” (Schwienhorst-Schönberger, 2003, p. 340). Nesta linha de raciocínio, os biblistas J.C. Exum (1973) e W.H. Shea (1980) propõem uma moldura divida em sete partes com um centro: 5,1.[32]

J. C. Exum (1973)
W.H.Shea (1980)
A 1,2-2,6
B 2,7-3,5
C 3,6-5,1
B’ 5,2-6,3
A’ 8,4-14

A 1,2-2,2
B 2,3-17
C 3,1-4,16
B’ 7,11-8,5
A’ 8,6-14

Outra proposta é de D.A. Dorsey[33], que diz ser uma unidade de sete partes, com o centro em 3,6-5,1 onde a trama é separação e união dos amantes.

A 1,2-2,7: Amor recíproco e saudade.

B 2,8-17: convite do homem à mulher para se amarem fora, na natureza.

C 3,1-5: sonho da mulher e unificação dos amantes.

D 3,6-5,1: casamento: “Comei, companheiros: bebei, inebria-vos do amor.

C’ 5,2-7,11: sonho da mulher, expressão de admiração mútua.

B’ 7,12-8,4: convite da mulher ao homem para se amarem fora, na natureza.

A’ 8,5-14: amor mútuo e saudade: “Forte como a morte é o amor” (8,6)





Aplicação Pastoral

No livro do Cântico dos Cânticos temos dois temas muito relevantes para a nossa ação pastoral. O tema da mulher e o tema do amor.
O tema da mulher nos remete às nossas pastorais e celebrações. São, na sua maioria, mulheres aquelas que estão compondo nossas pastorais (catequese, liturgia, pastoral da criança, pastoral da saúde), e são a maioria mulheres que participam de nossas celebrações, inclusive como ministras extraordinárias da sagrada comunhão. Todavia, são ainda os homens quem assumem os cargos mais importantes na Igreja (ministério presbiteral, os coordenadores das comunidades, tesouraria, zeladores de patrimônio).
O Cântico dos Cânticos é um livro que fala das características que marcam a mulher: a beleza, a delicadeza, e também a consciência de sua dignidade. Também falam do preconceito e da visão machista que se tem sobre a mulher.
É um bom livro para ser lido e refletido junto às mulheres e aos homens das comunidades acerca destes temas.
Também é um livro que fala da fé como amor, como carinho e cuidado. Conduz à uma Igreja afetiva, que vai muito além do que nossos ritos e nosso direito canônico. Fala também da beleza e da importância da vocação do matrimônio, para ser bem vivida como expressão da essência divina, que é Amor.


LIVRO DOS PROVÉRBIOS

Experiência cotidiana

Muitas vezes ouvimos expressões como estas: “Deus ajuda quem cedo madruga”, “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”, “quem espera sempre alcança”, “mais vale um pássaro na mão do que dois voando”. São expressões antiqüíssimas. Ninguém sabe dizer quem a pronunciou primeiro. Surgem do contato com a realidade, são expressões que sintetizam certa ideologia. São utilizadas, principalmente pelo povo mais simples, como resumo de uma verdade eterna, porque expressa um valor e uma atitude diante da vida.
Os pais e os avós é que são os primeiros que incutem essas expressões. Durante a vida, vamos encontrando outras, nos identificando com umas e rejeitando outras, principalmente aquelas que são pejorativas e que denigrem uma determinada classe ou gênero como estas: “sogra é como cerveja: é boa quando está gelada em cima de uma mesa”, “mulher não tira carteira de habilitação, tira porte de arma”, “pobre só come carne quando engole a língua”.
Estas expressões são capazes de incutir um sentimento de pertença e uma identidade: “jeitinho brasileiro”, “o Brasil é o país do futebol e do carnaval”. São pequenas frases que trazem um conteúdo vivencial muito forte, nem sempre verdadeiro.
O livro dos provérbios, no Antigo Testamento, é uma coletânea destas expressões que expressavam os valores formaram a identidade do povo judeu, de uma forma simples e pedagógica.

Contexto de vida no livro

O povo judeu tem uma longa história marcada por muitos acontecimentos. Estes acontecimentos marcam a vida do povo, tantos acontecimentos que envolviam a nação, tantos os acontecimentos do dia-a-dia, faziam as pessoas descobrirem certa constância, certa ordem, certa relação de causa-efeito, que levavam a produzir quase que como leis ou máximas: “A falsa testemunha não ficará impune, quem diz mentiras perecerá.” (Pr 19,9).
A junção dos provérbios pode ter ocorrido por volta dos séculos IV e III a.C[34].

Estrutura do livro

A estrutura do livro está ligada ao possível época em que foi escrita
Assim, está divido em 7 partes[35]:
Pr 1-9: introdução. Escrito por volta de 400 a.C.
Pr 10,1-22,16: Chamado de “Provérbios de Salomão”. Nesta parte temos o conteúdo da moral social (10-15) e o modo como os governantes devem agir (16,1-22,16). Os estudiosos situam por volta de 750 a.C.
Pr 22,17-24,22: Palavras dos Sábios (22,17-23,11). Seu conteúdo é como viver entre os nobres. É uma judaização de conteúdos já presentes em documentos egípcios e do Oriente Médio, por volta de 1200-1000 a.C.
Pr 24,23-34. Fala sobre julgar.
Pr 25-29. Fala do comportamento, com fundamentos não religiosos (25-27) e religiosos (28-29). Sua data pode ser no tempo do rei Ezequias (725-697 a.C.), no contexto de guerra contra a Assíria.
Pr 30-33. Chama-se palavras de Agur, filho de Jaces, de Massa. Inicia citando a importância da Palavra de Deus e retomando alguns mandamentos do decálogo (30,1-14), e na sequência, contém provérbios que se utilizam de números para representar seu conteúdo (30,15-33). Sua data pode ser pelo ano 400 a.C.
Pr 31,1-31. Conselhos de uma mãe rainha (31,10-13) e um poema que é montado com uma sequência de letras alfabeto (31,10-31).

Aplicação Pastoral

Não basta saber um conteúdo, ter uma mensagem a ser transmitida. É preciso uma pedagogia adequada, a fim de que possa tornar-se compreensível ao povo em geral, aquele que não freqüenta as cadeiras da academia, que certamente não pensa de uma forma abstrata e conceitual, mas de uma forma plástica, simbólica e alegórica. Para estes, os provérbios tem uma importância que não podemos imaginar. Ele condensam uma verdade existencial que não perdem em nenhum conteúdo da verdade conceitual, dissertativa, esta última com a diferença de ser mais argumentativa e desenvolver mais, sem, contudo, acrescentar algo de substancial à verdade já expressa no

O LIVRO DA SABEDORIA

Experiência cotidiana

Vivemos em meio a uma sociedade onde existem diferentes culturas, que são diferentes modos de pensar e de se relacionar com o mundo.
Toda cultura tem suas qualidades, pois nasce do contato dos seres humanos com o dia-a-dia da existência, modificando o seu meio, dando significado a fatos cotidianos (trabalho, lazer, relacionamento entre as pessoas) e ritualizando acontecimentos (aniversários, casamentos, nascimentos, morte, refeição).
Neste contato com o diferente, nos modificamos e nos tornamos melhores. Contudo, quando o diferente faz com que percamos a nossa individualidade, a nossa raiz cultura, a nossa estrutura simbólico-mítica, já não sabemos mais quem somos, nem para onde vamos, e somos facilmente manipulados. Aderimos a valores fabricados para manipular e provocar a desunião de um povo (competição, o exagerado amor a si mesmo, o prazer pelo prazer), e assim privilegiar um grupo social que está no poder e luta com suas armas ideológicas para que tudo fique como está.
Porém, quando descobrimos como nossos antepassados viveram, que valores cultivavam, quando ouvimos o que nos contam (por exemplo, quando nos dizem que há tempos atrás as pessoas se visitavam mais, que os vizinhos se conheciam e se cumprimentavam, que  quando um agricultor colhia ou matava um animal, distribuía com seus vizinhos, porque assim eram comum acontecer) , percebemos que o mundo nem sempre foi assim como nós o vivemos hoje, e que certos valores que cultivamos (o individualismo, o acúmulo), não nos conduzem à vida, ao bem comum, mas à morte e à “sociedade de indivíduos” pregado pelo neoliberalismo econômico que exclui o que ele considera de menos aptos.
O livro da sabedoria é uma compilação da sabedoria de Israel diante dos novos valores propostos pelos povos conquistadores, os romanos.

Contexto de vida no livro

Os estudos mais recentes dizem que o livro da sabedoria provavelmente foi escrito em grego, no tempo de Cesar Otaviano Augusto (31 a.C. a 14 d.C.). Entre suas ações, ele promoveu o culto ao imperador e o imposto por pessoa da família.
Num ambiente em que a cultura judaica estava sendo substituída pela cultura romana, foi recolhido um material composto por homens e mulheres de cultura judia, que conheciam muito bem a cultura grega e a ela fazem um contraponto.
Seus temas são a sabedoria e a justiça (11), morte e imortalidade (3,1-9; 5,17-23) e valorização da vida presente (Sb 2,6-9); a Dona Sabedoria e a idolatria e Êxodo.

Estrutura do livro

Está divido em 3 partes, porém, com uma dificuldade acerca da classificação do capítulo 10[36].
Bloco I (1,1-6,21)
Bloco II (6,22-11,1)
Bloco III (11,2-19,22)

Esquema de Schroer[37]:

Primeira parte do livro: 1,1-6,21, “Amém a justiça”
A                       1,1-15                       
B                       1,16-2,24    

C                       5,1-23       
B’                      6,1-21
exortação
pensamentos e planos dos ímpios em contraposição        aos justos; avaliação.
reconhecimento e autocrítica dos ímpios.
exortação.
Segunda parte do livro: 6,22-11,1 encômio à sabedoria
Seção I             6,22-8,21
                         6,22-25
A                      7,1-6

B                      7,7-12
C                      7,13-22a

D                     7,22b-8,1
C’                    8,2-9

B’                    8,10-16
A’                    8,17-21

Seção II           9,1-18

Seção III         10,1-11,1
cântico de louvor à sabedoria.
Introdução (proêmio)
O orador (Salomão) como ser humano é igual a todas as pessoas.
Ele ora por sabedoria e a prefere a todos os bens.
Deus concede sabedoria e dirige-a. Ela é saber e ciência que abrange tudo, construtora e mestra.
A natureza da sabedoria e sua forma de poder.
Deus ama a sabedoria, vive junto dela. Ela é iniciada no seu saber. Como ela Salomão quer viver.
monólogo de Salomão sobre sua vida com a sabedoria.
Salomão busca obter para si a sabedoria e suplica a Deus por ela.
a oração por sabedoria.

o agir salvador da sabedoria.
Terceira parte do livro: 11,2-19,22 recordação hínica do Êxodo
                        11,2-5

A                     11,6-14
B                     11,15-16,14



                        16,1-4
                        16,5-14

C                     16,15-29
D                     17,1-18,4
E                     18,5-19,9


                         19,10-22
introdução; princípio condutor I: correlação entre castigos aos inimigos e benefícios aos justos.
água do Nilo–água da rocha
princípio condutor II: correlação pecado-punição
             excurso sobre a benignidade de Deus (11,15-12,27)
             excurso sobre a idolatra (13,1-15,19)
rãs-codornizes.
gafanhotos e mosquitos; serpentes – serpentes de bronze.
granizo-temporal – pão do céu.
trevas-luz/coluna de fogo
contraposição: morte dos primogênitos-morte no deserto; submersão e morte – passagem desimpedida pelo mar Vermelho.
Epílogo: retrospectivas, nova comparação (xenofobial)
frase final.

Aplicação Pastoral

O que falamos sobre os outros livros, vale também e ainda mais para o livro da sabedoria. Na nossa sociedade da técnica, da informação, do conhecimento, falta ainda espaço para sabedoria, que nos ajuda a viver bem com os outros, com a natureza, com Deus e conosco mesmo. Pensamos atualmente que a razão pode dominar tudo, mas somente o juízo humano não pode nos levar a um mundo melhor e ao sentido da vida. Devemos reconhecer que há uma força misteriosa que ordena a natureza e nossa própria psique, a fim de não nos desintegrar com o nihilismo (como Sartre, que tirou Deus do mundo e não soube mais dar sentido à vida). Esta sabedoria é que nasce do “temor de Deus”, ou reconhecimento de que só há um senhor, o criador e salvador, e diante dele somos todos irmãos e nos devemos comportar como tal.




CONCLUSÃO

Reconhecemos que foi um projeto ousado querer abarcar um tema como este, “Salmos e Literatura Sapiencial e sua aplicação na pastoral”, mas como indicamos acima, não se trata de um tratado, mas de uma síntese, e se apresenta em uma linguagem simples, cujo conteúdo mesmo é adaptado à pastoral.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COMBLIN, José. Vocação para a liberdade. São Paulo: Paulus, 1998.

MARBÖCK, Johannes. O sirácida (Eclesiástico). In VVAA. Introdução ao Antigo Testamento. Tradução de Werner Fuchs. Loyola, São Paulo: 2003.

SCHROER, Silvia. O livro da Sabedoria. In VVAA. Introdução ao Antigo Testamento. Tradução de Werner Fuchs. Loyola, São Paulo: 2003.

SCHWEIENHORST-SCHÖNBERGER, Ludger. O Cântico dos Cânticos. In VVAA. Introdução ao Antigo Testamento. Tradução de Werner Fuchs. Loyola, São Paulo: 2003a.

_______. O livro de Jó. In VVAA. Introdução ao Antigo Testamento. Tradução de Werner Fuchs. Loyola, São Paulo: 2003b.

_______. O livro do Eclesiastes (Qohélet). In VVAA. Introdução ao Antigo Testamento. Tradução de Werner Fuchs. Loyola, São Paulo: 2003c.

_______. O livro dos Provérbios. In VVAA. Introdução ao Antigo Testamento. Tradução de Werner Fuchs. Loyola, São Paulo: 2003d.


TAVARES, Sinivaldo. Teologia da criação: outro olhar – novas relações. Petrópolis: Vozes, 2010.

ZENGER, Erich. O livro dos salmos. In. VVAA. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Loyola, 2003a.

_______. Os livros da Sabedoria. In. VVAA. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Loyola, 2003b.

KRAMER, Pedro. Introdução aos  livros sapienciais. mimeo.

______. Estudo do livro dos salmos. mimeo.




[1] Kramer, Estudo do livro dos salmos.
[2] Idem.
[3] Kramer, Estudo do livro dos salmos.
[4] Cf. Zenger, 2003a, p. 314.
[5] “Com o conceito de ‘sabedoria’ designa-se um fenônemo intercultural amplamente difundido na Antiguidade, da Mesopotâmia ao Egito, mas também da Grécia a Roma, o qual poderíamos chamar de saber prático da vida ou saber cotidiano adquirido pela prática.” (Zenger, 2003b, p. 284)
[6] Idem.
[7] “Temos sapiencial a Deus não é temor a Deus no sentido de uma fé obediente, exigida em Gn 22 de Abraão, mas é confiar em Deus, ou seja, confiar em Deus como aquele que, não obstante todas as perturbações e perigos, governa o todo e dá sucesso à trajetória de vida das pessoas que buscam as ordens da vida, que regem de acordo com elas e as comunicam adiante. Temor a Deus enquanto confiança no poder da vida, de um Deus bom , por conseguinte, é de fato o princípio que conduz para a sabedoria e motiva para a prática do conhecimento sapiencial da vida. Com razão pode-se, por isso, designar a sabedoria mais antiga de Israel (seguindo M. Görg) como ‘teologia da razão prática’. A fonte de seu conhecimento é a razão. Sua intenção não se dirige primordialmente ao conhecimento teórico, mas a prática boa da vida que traz bons resultados. E seu princípio básico é um saber fundamental sobre Deus como aquele que, por ser Criador do mundo, combate o mal e promove o bem.” (Zenger, 2003b, p. 285)
[8] “Durante muitos séculos ela também continuou sendo a guardiã crítica e sensível dos ideais de solidariedade e justiça para todos, quando se desenvolveu nas cidades, particularmente a partir das capitais Samaria e Jerusalém, uma sociedade de classes, na qual se quebravam mais e mais os velhos ideais da solidariedade familiar. A crítica profética de Amós e Miquéias, mas também os mandamentos sociais agrupados no Decálogo estão enraizados no ethos da sabedoria clânica.” (Zenger, 2003b, p. 286). 
[9] Idem.
[10] “O provérbio constitui a formulação mais densa da experiência a serviço da orientação da vida. Seu propósito é ajudar a retirar de uma situação a dimensão do inesperado e ameaçador, pelo fato de que no Provérbio a situação é nomeada como usual e, em geral, recorrente. O provérbio é conciso e breve, quase sempre provido de um ápice que serve como escora da memória.” (Zenger, 2003b, p. 287)
[11] “formula, de maneira muitas vezes figurada e drástica, a experiência de vida do povo”. (Zenger, 2003b, p. 287).
[12] “Ele começa com um chamado inicial para a instrução, que visa interpelar diretamente ‘os alunos’ (‘meu filho, minha filha’) e dar uma motivação para o ensinamento a ser transmitido. Esse ensinamento, via de regra, é apresentado num estilo misto de exposição e interpelação exortativa e/ou admoestadora. Um tema predileto é a pergunta pela justiça e o sentido da vida em vista da sorte dos ímpios. Como terceira parte (conclusiva) segue geralmente a lembrança (como “moral da história”) das conseqüências de um comportamento sábio ou tolo, explicadas não raro por observações da natureza ou da vida diária.” (Zenger, 2003b, p. 289)
[13] “1- Diante da experiência de sofrimento e morte, as orações sapienciais meditam sobre o sentido e o êxito da vida (cf. Sl 37;49;73). 2 – A partir da observação da Criação e de suas leis, elas tem o objetivo de motivar para a confiança na vida diária e para um ‘sim’ fundamental a esse mundo (cf. Sl 104). 3 - Meditando sobre a história do povo sob a perspectiva sapiencial de ação e bem-estar/mal estar, tenta-se descobrir um sentido dessa história e traçar as respectivas conseqüências (cf. Sl 78; 105; 106). 4 – A poesia sapiencial medita também sobre a Torá maravilhosa orientação para a vida, dada pelo Deus de Israel que ama seu povo e o mundo (cf. Sl 1;19;119).” (Zenger, 2003b, p. 289)
[14] “A narrativa didática tem o objetivo de, a partir de uma história particular, transmitir como ‘verdadeira’ uma sabedoria de vida universal, ou um ensino sobre a vida de modo concreto e convincente”. (Zenger, 2003b, p. 290)
[15] “De uma série de textos paralelos do antigo Oriente se depreende que o livro de Jó não trata de um tema genuinamente israelita, mas comum ao Oriente. Há, hoje, documentos, textos do 3º milênio ao séc V a.C. que abordam o ‘problema de Jó’ de formas diferentes e com ênfases temáticas distintas.” (Schwienhorst-Schönberger, 2003d, p. 296)
[16] Schwienhorst-Schönberger, 2003d, p. 301.
[17] “o cerne mais antigo está no substrato básico da narrativa da moldura (1-2; 42,7-17). A primeira ampliação volumosa deu-se pela incorporação da seção de diálogos (3-27;29-31;38-42,6). Mais tarde foram acrescentados ainda os discursos de Elihu (32-37).” (Schwienhorst-Schönberger, 2003d, p. 297)
[18] Schwienhorst-Schönberger, 2003d, p. 292.
[19] “Dada a peculiar complexidade do tempo presente e sua irredutível pluralidade, encontramo-nos diante da impossibilidade de nomeá-lo de maneira inequívoca. ‘Nomear o presente’ tem se convertido, portanto, na mais difícil de todas as empresas do nosso tempo. Os prefixos e adjetivos empregados para caracterizar o ‘nosso tempo’ – ‘pós-moderno’ (J.-F. Lyotard), ‘ultramoderno’ (J.-P. Willaime), ‘hipermoderno’ (G. Lipovetsky), ‘modernidade líquida’ (Z. Bauman) e ‘tardo moderno’ (J. Habermas e A. Giddens) – não seriam sintoma da impossibilidade nossa de caracterizá-la direta e positivamente?” (Tavares, 2010, p. 17-18)
[20] “A economia moderna é tão eficiente que pode produzir sem limite. O seu problema não é produzir. É a superprodução. Os economistas têm por preocupação frear a produção para evitar desequilíbrios econômicos, inflação, dívidas impagáveis etc.” (Comblin, 1998, p. 205)
[21] “A parte desenvolvida – um terço – da América Latina vive a mesma pós-modernidade do Primeiro Mundo. Porém, os dois terços restantes formar o mundo dos excluídos. Para eles não há nem modernidade nem pós-modernidade, e sim exclusão, um mundo paralelo, clandestino, ignorado, do qual sempre se fala, mas pela qual nada se faz.” (Comblin, 1998, p. 203-204)
[22] “É provável que Ecl 5,7-8 pressuponha a introdução e as conseqüências do sistema econômico e admnistrativo ptolomeu sob Ptolomeu II (283-246 a.C.) na Palestina (papiros de Zênon). Alguns trechos parecem indicar um sistema econômico com possibilidade de grandes ganhos e perdas, assim como os processos de transformação social dele decorrentes (4,1-3.4-6;5,9-11.12-14). Não se podem constatar ligações com o tempo dos macabeus. Por isso o livro deve ter surgido provavelmente entre 250 e 190 a.C.” (Schwienhorst-Schönberger, 2003d, p. 337).
[23] Schwienhorst-Schönberger, 2003d, p. 332.
[24] Schwienhorst-Schönberger, 2003d, p. 333
[25] Idem.
[26] Schwienhorst-Schönberger, 2003d, p. 334
[27] “O livro adotado do judaísmo e benquisto na Igreja cristã é recomendado, como também Sb, Est e Tb, por Orígenes para a instrução dos principiantes da fé. Até mesmo Jerônimo, que não traduziu o livro, que para ele fazia parte dos apócrifos, o utiliza com freqüência, mormente a partir de 400 d.C. (Marböck, 2003, p. 354)
[28] Marböck, 2003, p. 360.
[29] Schwienhorst-Schönberger, 2003d, p. 340
[30] Idem.
[31] Schwienhorst-Schönberger, 2003d, p. 340
[32] Schwienhorst-Schönberger, 2003d, p. 343
[33] Idem.
[34] Schwienhorst-Schönberger, 2003d, p. 328.
[35] Kramer, introdução aos livros sapienciais.
[36] “Estruturalmente podem-se distinguir três partes principais, compostas magistralmente. Difícil de classificar é o cap. 10, que formalmente está mais próximo da terceira parte do livro, porém pelo conteúdo faz parte do discurso de elogio da sabedoria no segundo bloco.” (Schroer, 2003, p. 349)
[37] Schroer, 2003, p. 352.

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