INTRODUÇÃO
Este trabalho é resultado de uma pesquisa bibliográfica
acerca do tema “o movimento de Jesus”. Para tal, foi utilizado os seguintes
autores: Gerd Theissen, Eduardo Hoornaert e Hugo
Echegaray.
O texto terá quatro partes. A
primeira parte tratará do contexto da Palestina no tempo de atuação do
movimento de Jesus. Este capítulo tem como intenção expor algumas hipóteses que
explicam o fenômeno dos movimentos existentes na Palestina, no tempo do
movimento de Jesus.
O segundo capítulo falará de
cada movimento, a saber, os saduceus, os fariseus e escribas, grupos de
resistência, essênios, batistas e herodianos, de suas semelhanças e diferenças.
O terceiro capítulo abordará
os principais aspectos do movimento de Jesus como um movimento galileu que, a
exemplo de seu líder, formam-se de carismáticos itinerantes e posteriormente,
de lideranças locais que administram comunidades com exigências morais e
religiosas.
O quarto capítulo do texto vai fazer algumas
considerações sobre o movimento de Jesus acercado-se de afirmações de Eduardo Hoornaert,
que consideramos, no mínimo polêmicas.
1. O CONTEXTO DA PALESTINA NO TEMPO DO MOVIMENTO DE JESUS
O movimento de Jesus surgiu
em uma determinada época histórica, dentro de um contexto específico. Neste contexto,
vai agir influenciado e influenciando na sociedade judaica a qual estava
inserido.
Na Palestina, o cenário
político se encontrava de uma certa forma tranqüilo, pois as legiões romanas
garantiam o exercício dos governos no Império. Havia, porém, um processo de mudanças sócio-econômicas.
Segundo Gerd Theissen, “foram causas das mudanças sócio-econômicas: catástrofes
naturais, super-população, concentração de riqueza e sistemas tributários
concorrentes.”[1]
Estas mudanças acarretaram uma crescente massa de camponeses pobres,
principalmente na região da Galiléia, lugar em que Jesus permaneceu o
maior tempo de sua vida:
O movimento de Jesus surgiu na
Palestina num momento difícil, não tanto no plano político – pois havia uma
relativa calma no cenário político entre 26 dC e o período de imediato antes da
guerra judaica de 66-70 – mas sim no plano social. A pobreza era a marca da
vida das imensas maiorias do povo, sobretudo dos camponeses da Galiléia no
norte do país, os camponeses sem terra, chamados em aramaico ‘am ha'aretz’
(gente da terra). (Hoornaert, 1994, p.45).
A economia da Palestina era
essencialmente agrícola. Todavia, na sua capital, Jerusalém, a economia girava
em torno do Templo. “Parte considerável da população dependia do templo. O templo pagava bons
salários.”[2]. Jesus, por realizar uma dura crítica ao Templo, será
condenado e morto pelas lideranças da época.
A Palestina estava sob o jugo
do Império Romano, que penetrou com sua cultura e seu modo de viver através do
governo de Herodes, O Grande (47-4
a.C.). Com Herodes, houve uma concentração de terra. Os
romanos, com o apoio de Herodes, distribuíram as terras entre si, e os
camponeses, que ali habitavam, tornaram-se seus empregados.
O contexto social da
Palestina era de tensão. Havia um pequeno grupo que possuía a maioria das
propriedades, porém, a maioria da população tinha como única alternativa
submeter-se ao trabalho assalariado.
Havia outra tensão, que era
entre a elite dos judeus que produziam em suas terras e os romanos que cobravam
impostos. A tensão se dava pela alta taxa de impostos que os produtores rurais
deviam parar ao Império. A carga de impostos era tão dura que os pequenos
agricultores, endividados, precisavam vender suas terras para pagar a dívida,
tornando-se empregados. “Havia
três impostos: um cobrado pelo fiscal do império, outro pelo sacerdote do
Templo e um terceiro pelo cobrador da casa de Herodes, caso este precisasse de
dinheiro para fazer uma guerra ou enfrentar certas despesas.”[3]
2. OS MOVIMENTOS intrajudaicos contemporâneos ao movimento de Jesus
Nesta
sociedade em tensão e em conflito, surge muitos movimentos com diferentes
propostas. Eram, sobretudo, movimentos de protesto contra a situação daquela
época. Theissen esclarece que não se tratava de uma simples luta de classes.
Era, sobretudo, uma luta de defesa de interesses e de poder. Era uma elite
emergente que reivindicada seus direitos.
Seguidamente se encontra a idéia
um pouco ingênua de que, sobretudo nas classes mais baixas, a pressão econômica
provoca alteração de comportamento e protesto. Na verdade, porém, as pessoas
são ativadas principalmente quando há perigo de deteriorização de sua situação
ou quando se antevêem melhorias: somente quem conhece ou é capaz de antecipar
padrões de vida melhores reage, sensibilizado, à pobreza e miséria. (Theissen,
1989, p.38).
Como movimento de contestação
temos os fariseus, os escribas, os essênios, os batistas, os grupos de resistência
armada e o movimento de Jesus. Como movimento que apoiavam a situação mais do
que a criticavam temos os saduceus, que eram do sinédrio e por isso também
estavam no poder, e os herodianos que eram partidários de Herodes. Haviam uma
elite palestina no poder, embora sob o jugo romano. Chamaremos todos eles de
movimentos de renovação intrajudaico, já que todos tem uma proposta para que
Israel se torne o verdadeiro Israel (mesmo da parte dos herodianos e saduceus
que, embora beneficiando-se da situação, sonhavam com um Israel livre do jugo
dos impostos romanos).
Alguns movimentos de renovação
intrajudaicos tinham características semelhantes. Segundo Theissen, “A todos era comum a distância de Jerusalém.”[4]. Esta distância podemos interpretar como a vida
camponesa no interior da Palestina, em lugares como a Galiléia, e a fuga para o
deserto praticada por certos grupos.
O autor Eduardo Hoornaert
cita Flávio Josefo e interpreta a fuga dos judeus para o deserto como fuga da
miséria no contexto da palestina dominada pelos romanos: “A forma mais sensacional
de escapar de miséria consistia no que Flávio Josefo chama ‘fugir para as
montanhas’ e aí juntar-se aos bandidos organizados para sistematicamente roubar
e assaltar pelas estradas.”[5].
Alguns movimentos se
retiravam para o deserto em forma de protesto ou para dificultar a atuação das
milícias romanas. “O deserto era de grande importância
para os movimentos proféticos.” [6]
Esta distância tinha como
explicação o objetivo de cada movimento que, embora divergissem no que se
refere à execução de seu projeto, tinham em comum a proposta de libertar Israel
e torná-lo santo. Em resumo, o objetivo de todos eles era que Deus reinasse em
Israel (teocracia radical), inclusive para o Movimento de Jesus, que via o seu
líder como sendo Filho de Deus. Além disso, a posição subalterna dos herodianos
e dos sacerdotes face aos romanos não agradava aos judeus.
Diz Theissen:
A tensão entre teocracia
pretendida e aristocracia factual serviu de solo fértil para movimentos de
teocracia radical, em que se polarizava a teocracia de Javé contra seus
mediadores aristocráticos e seus aliados, ou seja, contra sacerdotes e romanos.
Também o movimento de Jesus foi um desses movimentos de teocracia radical.
Proclamava o reino de Deus iminente. E como quer que se explique, este governo
de Deus significava o fim de todo outro governo, inclusive de romanos e
sacerdotes. (Theissen, 1989, p.52).
Eram movimentos que se
auto-denominavam como o verdadeiro Israel. Cada um deles tinha a certeza de que
o próprio Deus lhes havia dado a missão de fazer valer a Torá (a Lei) e a sua
verdadeira interpretação. “A discussão em torno da
verdadeira Torá e sua interpretação aponta para uma crise de identidade no
judaísmo.”[7] Para que um grupo se afirmasse, os outros grupos
deveriam ser considerados inferiores ou usurpadores do nome de judeus. “Na Palestina cada movimento renovador queria concretizar um
Israel melhor. Cada um tinha então que degradar os outros judeus a israelitas
de segunda categoria ou até igualá-los aos gentios.”[8]
2.1 Saduceus
Entre estes grupos, temos os
saduceus. Seu ofício era no Templo. Os saduceus eram uma classe de sacerdotes
que tinha feito aliança com os grandes proprietários de terra na Palestina. “No concernente ao culto os
saduceus eram de um rigor extremo enquanto se aproveitavam tranquilamente dos
benefícios em termos de riqueza, poder, luxo e bom relacionamento com os
grandes do mundo.”[9]
A maior parte do povo os
respeitava como representantes de Deus entre os homens. Eram os funcionários
exclusivos do Templo, e gozavam de todos os benefícios deste cargo. “Eles controlavam
diretamente o Templo, o culto divino e as finanças do Templo, uma das maiores fontes
de poder na Palestina.”[10]
Os saduceus, em comum com
outros grupos, tinham a idéia de teocracia. Deus é que governaria Israel. E
essa teocracia não era para o futuro, já era realidade, pois eram o grupo que
estava no poder. “Sustentavam estar representando o
reinado de Deus. Mas nem todos reconheciam isso.”[11] Os saduceus eram a elite aristocrata que fazia a ponte
dos judeus com os romanos, e essa ponte não se dava como relação de igualdade,
mas de submissão. Os sacerdotes saduceus deviam pagar imposto aos romanos.
Diferente dos gregos e dos
romanos, “os judeus não formavam uma polis, e sim um ethos, em cujo
topo estavam os sumo sacerdote e o sinédrio”.[12] O Sumo Sacerdote era o chefe religioso e do povo, e
sua atuação era dentro do Templo. Somente ele podia entrar no lugar sagrado do
Santo dos Santos.
O cargo de sumo sacerdote por princípio era vitalício e hereditário.
Porém já os hasmoneus não tinham legitimação dinástica.
Herodes inicialmente nomeou um zadoquida, porém mais tarde trocava
arbitrariamente os sumos sacerdotes, de maneira que o cargo perdeu também o seu
caráter vitalício. (Theissen, 1989, p.61).
Os saduceus eram partidários
da teologia da retribuição, em
que Deus castiga alguns e favorece outros. “Os sacerdotes que
pertenciam ao partido dos saduceus julgavam a pobreza de forma mais cruel pois
para eles a riqueza era exatamente a prova da benevolência divina enquanto a
pobreza sinal de rejeição divina.”[13]
2.2 Fariseus e escribas
Outro grupo eram os fariseus.
Sua posição, como a maioria dos movimentos de renovação intrajudaico, era
contrária a aristocracia dos saduceus. Questionavam a legitimidade e as ações
deste grupo ante os romanos. Entre os fariseus haviam alguns escribas. Tinham
um ideal de pureza e santidade, aplicado não somente aos sacerdotes, mas também
aos leigos.
Os fariseus são importantes
para a história judaica porque:
Através do sinédrio os fariseus,
ou melhor, os fariseus escribas, ascenderam no decurso de 100 anos, de
opositores rebeldes, que lançaram o país numa sangrenta guerra civil ainda sob
Alexandre Janeu (103-76 a.C.),
a representantes únicos do judaísmo em 70 d.C. (Theissen, 1989, p.61-62).
Os fariseus se assemelhavam
aos outros grupos na intenção de viver um ideal de pureza e santidade, como
exige a Torá. Porém, se distancia de outros grupos na interpretação deste
ideal. Um exemplo é sua diferença de interpretação dos essênios. “Enquanto os essênios praticavam as normas radicalizadas em separação
rígida da sociedade, os fariseus se empenhavam em observá-las no dia-a-dia
normal.”[14]
Os fariseus se assemelhavam
muito aos essênios no cumprimento das 613 leis de pureza da Torá. Mas a
vivência de pureza dava-se em meio às impurezas da cidade. “A contradição entre a radicalização da lei e a adaptação foi
recebida dentro do próprio farisaísmo. Isso levou a que eles se cindissem no
séc. I. d.C. em duas escolas: a de Shamai, mais severa, e a do ‘liberal’
Hilel.”[15]
Haviam entre o movimento dos
fariseus alguns escribas. Os Escribas não eram propriamente um grupo. Eram
pessoas que estudavam profundamente a Lei e sua interpretação. “Formam um meio
intelectual mais que um grupo de grande coesão.”[16]
Sua ascensão se dá pela sua
instrução. Segundo Echegaray, “o povo os venerava por considerá-los detentores
e mestres da ciência sagrada.”[17]
2.3 Grupos de resistência
Um outro grupo que se afasta
das cidades são os grupos de resistência. Eram, na sua maioria, galileus
insatisfeitos que usavam como protesto o roubo e o terrorismo.
De modo geral o povo do campo era
mais rebelde que o povo da cidade: líderes da resistência viviam na Galiléia,
como Judas, o Galileu (Bell. 2,118), operavam na Iduméia e Arábia, como
Ptolomeu (Ant. 20,5), ou na samaria e Judéia, como Eleazar, filho de Dineu
(Ant. 20,121). Em ações planejadas, seu terrorismo vitimava a aristocracia de
Jerusalém, seja por assassinato (Ant. 20,164s.), seja pela tomada de reféns
para conseguir a libertação de militantes de resistência presos (Ant. 20,208ss).
(Theissen, 1989, p.45-46)
Seu plano de tornar Israel
digno para cultuar o seu Deus como ele merece, passava pela expulsão dos
romanos. “Para os militantes de resistência não eram as
leis de pureza a principal característica de pertencer ao verdadeiro Israel,
mas sim a atitude diante dos romanos.”[18]
Os grupos de resistência
tinham como característica própria a luta armada.
Quatro grupos rurais tiranizavam
a população da cidade, pois suspeitavam que simpatizasse com os romanos:
galileus sob João de Giscala (Bell. 4,12ss.;559), judeus
sob Simão, filho de Gioras (Bell. 2,652; 4,503), zelotes sob Eleazar (Bell.
4,135ss) – a meu ver, trata-se sobretudo de sacerdotes rurais – e um grupo de
idumeus (Bell. 4,224ss). (Theissen, 1989, p.46)
Sua ação era rápida, pois
eram visados pelas forças romanas e herodianos. Após sua ações, fugiam. Um
exemplo era os Zelotes que “usavam como base
esconderijos nas montanhas.”[19]
Entre os grupos de
resistência, o que mais se destacava era o grupo conhecido dos zelotes:
Os zelotes eram movidos por uma
profunda inquietação religiosa, associada a um compromisso não menos sério de
ordem social. Eles união a religião à realidade social e política em que
viviam. O zelo ardente pelas coisas de Deus os caracteriza como, aliás, diz o
termo ‘zelote’. (Hoornaert, 1994, p.62)
Entre os discípulos de Jesus,
conhecemos Simão, o Zelote.
2.4 Essênios
Outro grupo de contestação,
que se afasta das cidades como os grupos de resistência são os essênios. Os
essênios, contestando o modo de vida na cidade, foram para o deserto viver o
ideal de santidade e pureza presentes na Torá. Como os grupos de resistência, “Também os essênios tinham ido para o deserto, para ali preparem o caminho do
Senhor”[20].
O deserto era o modo que os
essênios encontraram para viver a pureza e a santidade exigida na Torá, sem que
a má influência da cidade os corrompesse.
Um de seus principais objetos
de contestação é o Templo. “No âmbito religioso chama
atenção seu empenho pela pureza sacerdotal. Por que o templo de Jerusalém fora
‘contaminado’, separam-se dele no séc. II a.C.”[21]
Segundo Theissen, viviam em
um regime tribal, sem propriedade privada. “Na
comunidade não havia propriedade privada [...] Os membros recém-admitidos
entregavam à comunidade sua propriedade e seus salários após um ano de
noviciado.”[22]
Ao contrário daqueles que
fugiam temporariamente para o deserto, os essênios tinham este local como casa,
lugar definitivo até o dia do juízo final, dia em que as forças cósmicas do bem
destruiriam as os demônios e poderes do mal. “Para os essênios a vida na Terra tem pouca
importância, o que conta mesmo é o céu e inferno e sobretudo a luta gigantesca
entre ambos.”[23]
Para os essênios, o sentido
da vida é posicionar-se e combater espiritualmente. Para eles,
O sentido da nossa vida consiste
em apoiar o lado certo, quer dizer, o lado de Deus, nessa luta que excede tudo
o que existe em
importância. Daí o papel da oração que constitui nosso modo
de interceder nessa luta e participar deste modo da ‘meta-história’.
(Hoornaert, 1994, p.66)
Para Theissen, essas imagens
ligadas a demônios e forças maléficas espirituais (que também está presente no
movimento de Jesus) é uma simbologia do poder temporal rejeitado.
A simbologia mítica referente ao
domínio dos demônios provavelmente representa a intensificação simbólica do
governo terreno, entre outros também do domínio político, vivenciado de maneira
negativa, como um demônio neotestamentário revela ingenuamente quando se
apresenta sob o nome de ‘legião’ e expressa o desejo de poder ficar no país (Mc
5,9s.) – justamente o que também queriam os romanos. (Theissen, 1989, p.113).
Os essênios, embora
discordando do poder temporal, não esperavam a restauração temporal do mundo
senão no último dia, no dia do julgamento final. Daí que sua contestação não
incomodava o poder romano.
3.5 Batistas
Outro grupo surge em torno de
seu líder, João Batista.
O Batista apresentava-se no deserto, reavivando velhos sonhos da
salvação proveniente do deserto (Is 40.3; Mc 1,3). Sua postura ascética
contrastava propositadamente com a vida luxuosa da classe alta de Jerusalém (Mt
11.7ss).(Theissen, 1989, p.45).
Jesus foi batizado por João
Batista, mas sua forma de agir difere muito dos batistas.
2.6 Herodianos
Um grupo que não se colocava
abertamente como grupo de contestação era os herodianos. Eram partidários de
Herodes, O Grande. Os herodianos tinham como característica própria a defesa
das posições de Herodes, o Grande (37-4 a.C.). Herodes teve a função de garantir a
paz e a ordem na palestina, apesar da dominação romana e dos duros impostos. “Os romanos esperavam dos herodianos uma integração da
Judéia no Império Romano. Por isso lhes entregavam terras nas quais judeus e
pagãos tinham que conviver lado a lado.”[24]
Tampouco a monarquia herodiana foi capaz de assegurar para a Palestina uma
ordem duradoura. É certo que Herodes conseguiu disciplinar o país por 34 anos
(37-4 a.C.).
Contudo ele apenas sufocava as tensões existentes, que se desencadearam, após
sua morte tanto mais explosivamente. (Theissen, 1989, p.62-63)
Herodes tinham uma política
de reprimir os movimentos contrários ao seu governo. “A política repressiva herodiana dirigia-se contra todos os centros concorrentes de
poder, e menos contra o povo humilde.”[25]
A sua
política de repressão teve uma conseqüência após sua morte. Assim, “após sua morte apresentaram-se em toda parte pretendentes a
messias: Judas na Galiléia, Simão na Peréia, Atronges na Judéia.”[26]
3. O movimento de Jesus
Seu
fundador é um galileu da cidade de Nazaré. “O cristianismo primitivo começou como um movimento de
renovação intrajudaico despertado por Jesus”.[27]
Pelo que se sabe, Jesus nasceu em
Belém, mas passou maior parte de sua vida na cidade de Nazaré, na Galiléia:
O período mais longo de sua vida, que
transcorreu entre a infância e a vida pública, não mereceu por parte dos
evangelistas mais que uma breve referência: seu pai – ou ele mesmo – era
carpinteiro (MT 13,55; Mc 6,2-3). Contudo, esse período nos interessa muito
pois foi certamente durante esses 20
a 30 anos (entre os 12 e os 35 ou ao menos 40 anos de
vida) (segundo Fox) que Jesus deve ter experimentado o ‘sonho’ que veio
impulsionar sua vida toda. De qualquer modo, nesse período, ele andou muito no
meio de camponeses sem terra, pobres e ‘pecadores’, humilhados e marginalizados
da Galiléia. (Hoornaert,
1994, p.74).
Como seu fundador, que provinha do
campo, seus seguidores, na sua maior parte, vinham da Galiléia, e é lá que a
pregação de Jesus foi sendo aceita e seu movimento começa a ser conhecido. Esta
distância de Jerusalém é uma característica que aproxima o movimento de Jesus
de outros movimentos. Segundo Theissen, “o movimento de Jesus estava baseado
inicialmente no campo. Era um movimento galileu.”[28]
Era um grupo que não era
reconhecido pela religião e pelo estado da Palestina. O Templo lhes considerava
um grupo herético, os governantes se preocupavam com uma possível revolta dos
seguidores de Jesus. Contudo, o movimento de Jesus não oferecia grandes perigos
para o governo da Palestina ou para o Império Romano pois, além de se
apresentarem como um grupo pacífico, “ao entrar no palco
da história o movimento de Jesus era marginalizado e minoritário.”[29]
O
movimento de Jesus se aproxima de outros movimentos no sentido de se posicionar
contra o Templo (Jesus é morto por ter feito duras críticas ao Templo) e
anunciar um novo Israel, em
que Deus é o seu único Senhor (teocracia radical). Porém,
diferente dos fariseus e essênios, “o
movimento de Jesus se caracteriza por uma grande liberdade diante de ritos,
leis e regulamentos. Jesus insistia na disposição interior, não tanto nos
comportamentos exteriores.”[30]
Se
distância dos grupos guerrilheiros e dos essênios na medida em que “militantes da resistência e essênios exigiam ódio aos
estrangeiros (1. QS 1,10). No movimento de Jesus falta esta característica
agressiva.”[31]
O movimento de Jesus teve em
sua primeira fase os carismáticos itinerantes, que iam de cidade em cidade,
fundando comunidades e anunciando a Boa Nova pregado por Jesus. Theissen resume
o movimento de Jesus desta forma: “A estrutura interna
do movimento de Jesus era determinado pela interação de três papéis: os
carismáticos itinerantes, seus simpatizantes nas comunidades locais e o
Revelador.”[32]
Os carismáticos itinerantes
seguiam o conselho de Jesus, de abandonar tudo para segui-lo. Jesus também foi
um carismático itinerante, mas de forma diferente dos que surgiram depois.
Jesus nunca saiu da Palestina e não fundou nenhuma comunidade.
O conceito de carismático
foge do seu sentido teológico e se aproxima do sentido sociológico. O sentido
de carismático utilizado é daquele que não está preso a uma instituição, e age
apesar dela. “O conceito de ‘carismático’ indica que seu
papel não era uma forma de vida institucionalizada, à qual fosse possível
aderir por decisão própria.”[33]
Uma interpretação que se pode
fazer deste dado é que a vida de carismático é uma vida não somente de
desapego, mas de marginalidade. Uma marginalidade muitas vezes não escolhida
pelo carismático, pois sua atitude brotaria desta marginalidade. Para Theissen,
“este radicalismo tinha chance apenas dentro de um
movimento de marginalizados.”[34]
Outro fator que esclarece a
atitude dos carismáticos itinerantes é sua crença na proximidade do fim dos
tempos e do juízo final, daí que esse fato era mais do que motivo para que a
mensagem se propagasse o mais rápido possível. “Expectativa
do fim e prática vivencial coincidem plenamente.”[35]
Os carismáticos itinerantes passavam
de cidade em cidade. Ali
permaneciam um tempo. Fundavam comunidades e partiam para outro lugar. Nos
primeiros tempos do movimento de Jesus, o carismático itinerante era uma
autoridade diante das comunidades que fundava. Nestas comunidades, havia uma
série de condições para que alguém fizesse parte. Além de crer no Filho de
Deus, deviam seguir algumas condutas morais, se desprender de bens materiais e
receber o batismo.
O segundo momento do movimento de
Jesus após a morte de seu líder, segundo Theissen, é a emergência de
autoridades locais. Isto é, as comunidades fundadas pelos carismáticos itinerantes
faziam surgir de si mesmas uma autoridade.
Quando as comunidades cresciam,
tinham que surgir posições diretivas internas e fazer concorrência aos
pregadores itinerantes. Provavelmente as diferenças entre Tiago e Pedro se
explicam desta maneira: o carismático independente Pedro podia mais facilmente
arriscar um conflito com os tabus alimentares judaicos do que Tiago, porta-voz
da comunidade de Jerusalém. (Theissen, 1989, p.24).
As autoridades locais, aos poucos, foram dispensando os
serviços dos carismáticos itinerantes e estes, aos poucos, foram deixando de
existir.
4. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O MOVIMENTO DE JESUS
O livro de Eduardo Hoornaert
intitulado “O movimento de Jesus” traz algumas questões que fogem do senso
comum acerca do que se conhece sobre Jesus e sua doutrina. Segundo Hoornaert,
Jesus não teria a intenção de fundar um movimento que se expandisse para além
das fronteiras da Palestina. Quanto aos textos que se referem a uma possível
universalidade da pregação de Jesus, o autor considera como sendo um acréscimo
posterior às escrituras, fato que é conhecido por todos os exegetas. Assim, uma conclusão se impõe: o
universalismo cristão não pode ser projetado em Jesus. Pertence a
uma evolução posterior.”[36]
A
coerência lógica que Hoornaert coloca
é que “a compreensão
universalista da missão implicaria quase que necessariamente numa rejeição do
judaísmo por parte de Jesus.”[37] Isto é, se Jesus fosse
mesmo judeu, conhecedor das leis e da proposta do messianismo judaico, não
poderia tirar daí uma reflexão de universalidade sem rejeição do judaísmo e de
sua doutrina.
Outro
ponto é que o movimento de Jesus é um movimento que se coloca ao lado dos mais
pobres e dos desprezados. Não é certo afirmar que é composto unicamente por
despossuídos, mas tinha dentro de seu costume a vida simples e o desapego dos
bens materiais. Diz Hoornaert que “em primeiro lugar e,
principalmente, o movimento de Jesus se alicerça na livre opção de não viver
unicamente em função do dinheiro e do lucro.”[38]
CONCLUSÃO
Este trabalho sobre o movimento de Jesus não segui uma
sequência em que se parte do contexto da Palestina para que, de uma forma
gradual, chegar ao movimento de Jesus.
Esta metodologia foi escolhida para dizer que o movimento de
Jesus não foi algo isolado no seu tempo, e que a pregação de Jesus, embora
tenha atravessado a história, surgiu para responder a problemas dentro de um
contexto específico: a Palestina sob a dominação romana.
Não é possível dizer, após esta pesquisa, que agora, de fato
encontramos a verdade sobre Jesus, seu movimento e sobre os movimentos
intrajudaicos existentes no seu tempo. Acreditamos que toda pesquisa tem suas
limitações e sempre pode evoluir na inclusão de dados não encontrados e
perspectivas antes não abordadas. Consideramos, porém, iniciados em uma longa
caminhada, a procura de um Jesus histórico que não é algo irrelevante para a
nossa fé.
.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
THEISSEN,
Gerd. Sociologia do movimento de Jesus.
2 ed. Tradução Werner Fuchs e Annemarie Höhn. Sinodal: São Leopoldo, 1989.
HOORNAERT,
Eduardo. O movimento de Jesus.
Vozes: Petrópolis, 1994. 161p.
ECHEGARAY,
Hugo. A prática de Jesus. 2 Ed.
Tradução Ephraim Ferreira Alves. Vozes: Petrópolis, 1984. 159.
[1] Theissen,
1989, p.39
[2] Theissen,
1989, p.48
[3] Hoornaert,
1994, p.54
[4] Theissen,
1989, p.45
[5] Hoornaert,
1994, p.58
[6] Theissen,
1989, p.45
[7] Theissen,
1989, p.66
[8] Theissen,
1989, p.72
[9] Hoornaert,
1994, p.56
[10] Hoornaert,
1994, p.61
[11] Theissen,
1989, p.52
[12] Theissen,
1989, p.60
[13] Hoornaert,
1994, p.56
[14] Theissen,
1989,p.70
[15] Theissen,
1989, p.70-71
[16] Echegaray,
1984, p.80
[17] Echegaray,
1984, p.81
[18] Theissen,
1989,p.72
[19]
Theissen, 1989, p.45
[20] Theissen,
1989, p.45
[21] Theissen,
1989, p.69
[22] Theissen,
1989, p.70
[23] Hoornaert,
1994, p.65
[24] Theissen,
1989, p.65
[25] Theissen,
1989, p.63
[26] Theissen,
1989, p.64
[27] Theissen, 1989, p.11
[28] Theissen, 1989, p.44
[29] Hoornaert, 1994, p.34
[30] Hoornaert, 1994, p.42
[31] Theissen,
1989, p.56
[32] Theissen, 1989, p.16
[33] Theissen, 1989, p.16
[34] Theissen, 1989, p.22
[35] Theissen, 1989, p.22
[36] Hoornaert, 1994, p.83
[37] Hoornaert, 1994, p.83
[38] Hoornaert, 1994, p.90
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